A poesia é o suspiro apaixonado que sai naturalmente como o hálito
perfumado da boca daqueles que teimam levar o corpo através de passos firmes,
para construir o futuro por onde passarão as futuras gerações.
Deixaremos como herança aos que ainda vão nascer, para que sintam
através do coração, o perfume de cada passo dado como cicatrizes
abertas no tempo de cada existência.
Somente produz poesia quem sabe sentir e herdar as poesias já produzidas
pela vida da natureza e da humanidade. É o coração quem
alerta o caminhante dizendo que:
Há uma flor desabrochando
há uma árvore dormindo
há uma montanha gritando.
há nuvens e arco-íris
há ternura e paixão
há fome, gente morrendo
há dor dentro da canção.
há lábio aberto sorrindo
há povos em procissão
há guerras no tempo indo
há luar cá no sertão.(1)
há seresteiros cantando
há casais de bicho amando
há sonhos no coração...
A poesia é como o mar, que transforma sua prepotência em humildade,
prostrando-se aos pés das montanhas, a esperar que a água doce
da serra venha lhe matar a sede. O mar não destrói a montanha,
porque sabe que não teria mais onde encostar a cabeça na hora
que quisesse descançar do balanço das ondas. Assim como a poesia
preserva a Vida para que esta se deixe alimentar por ela.
A beleza, cansada foi embora, descansar nos acampamentos dos Sem Terra, à
espera de que a terra devolva-lhes o espaço para deixar nascer sementes
de beleza e sensibilidade, para germinar um, futuro de paz e solidariedade.
Neruda,(2) Drummond,(3) João Cabral,(4) Marighella,(5) Casaldáliga...(6)
renascem na sombra das lonas pretas e se transformam em sonhos naqueles que
aprenderam a amar a vida, olhando para um ponto imaginário do horizonte
utópico, onde descansa a hora da chegada.
Nós estamos aqui. Nós queremos sonhar e mostrar as belezas que
há nos labirintos de nossa existência.
Um dia entenderemos as flores, quando elas nos dirão que, só
pode produzir perfume quem não teve medo de se deixar florescer.
1 "Região pouco povoada do interior [do Brasil], em especial,
a zona mais seca que é a caatinga, ligada ao ciclo do gado e onde permanecem
tradições e costumes antigos (Dicionário Houaiss da Língua
Portuguesa, Rio de Janeiro: Editora Objetiva, 2001).
2 Neruda (Pablo Neruda): poeta e embaixador chileno, nascido em 1904,
recebedor do Prêmio Nobel de Literatura em 1971, vindo a falecer em 1973,
poucos dias após o assassinato do Presidente Salvador Allende. Sua poesia
inicial, marcada por uma temática amorosa e uma grande sensualidade,
a exemplo de Vinte Poemas de Amor e uma Canção Desesperada (1924),
transforma-se após sua vivência da Guerra Civil Espanhola, o que
ele relata na coleção Espanha no Coração (1938).
A partir desse divisor de águas, ele abraça o marxismo, como se
evidencia em Canto em Estalingrado (1942).
3 Drummond: (Carlos Drummond de Andrade), poeta nascido em Minas Gerais
em 1902. De sua longa, diversa e profícua carreira literária,
cita-se Brejo das Almas (1934) e Sentimento do Mundo (1940) onde se evidencia
um desejo de solidariedade com os homens.
4 João Cabral de Melo Neto: Poeta e diplomata, nascido em Recife,
Pernambuco, em 1920. Seu poema narrativo Morte e vida severina, tendo como subtítulo
"Auto de Natal pernambucano", escrito entre 1954 e 1955, constitui
um dos marcos na literatura brasileira no tratamento do problema da terra.
5 Marighella (Carlos Marighella, 1911-1969) foi um revolucionário
brasileiro, destacado líder da luta armada contra a ditadura militar.
Seus quarenta anos de militância tiveram início no Partido Comunista
Brasileiro (PCB), com o qual rompe em 1968. Foi o fundador e dirigente nacional
da Ação Libertadora Nacional (ALN), organização
disposta a iniciar a luta armada, cujo nome ecoa o espírito revolucionário
da Aliança Nacional Libertadora (ANL), comandada por Luís Carlos
Prestes. Aos 57 anos, foi assassinado pela ditadura (1969).
6 Casaldáliga (D. Pedro Maria Casaldáliga): Bispo, de
origem espanhola, da prelazia de São Félix do Araguaia, no Mato
Grosso. Testemunhou de perto o número crescente de posseiros pobres num
contexto de conflitos e assasinatos pela terra. Sua Antologia retirante (bilíngüe),
foi publicada em plena ditadura (1978) pela Editora Civilização
Brasileira. Suas poesias expressam seu compromisso com os oprimidos
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