"Em 1984 e 85, quando eu estava fazendo um trabalho para a televisão
BBC de Londres, com uma equipe inglesa, que era uma série de documentários
sobre o Brasil, viajamos por todo o país. E uma coisa que me impressionou
muito naquela época foi que em quase todos os lugares que nós
chegávamos no interior nos defrontávamos com conflitos de terra.
(...)
Aí comecei a pensar que queria fazer um filme, um documentário
brasileiro sobre a questão da terra, e decidi também que queria
relacionar mulher e terra, uma vez que a presença das mulheres em todas
essas situações era muito forte, muito poderosa, e a mulher está
muito ligada à questão da manutenção da vida, do
cotidiano, da alimentação... isto também é uma característica
da mãe-terra.
(...)
Fiz então um projeto chamado Mulheres da Terra, que foi aprovado
num concurso da EMBRAFILME. Estava me preparando para filmar quando, de repente,
comecei a ver nos jornais, em outubro de 1985, fotos muito impressionantes do
acampamento da Fazenda Annoni, resultado da primeira ocupação
de um latifúndio improdutivo feita pelo MST. Era uma imagem completamente
diferente. Resolvi ir lá ver o que era aquilo. Realmente, o meu primeiro
contato foi muito impressionante, foi apenas uma visita que fiz ao acampamento
com um jornalista americano com quem estava trabalhando. Daquela visita, então,
nasceu, realmente, a certeza de que eu tinha que filmar ali porque era uma história
completamente nova, era muito difícil imaginar que ali havia pobreza,
que ali havia pessoas sem terra. Então abandonei a idéia de filmar
no nordeste ou no norte do Brasil para me preparar para filmar no Rio Grande
do Sul.
(...)
Quase dez anos depois de ter feito o primeiro filme, Terra para Rose(1),
comecei a pensar que seria a hora de retomar aquela história. Por que?
Eu tinha o desejo, evidentemente, de reencontrar aquelas pessoas e de saber
o que tinha realmente acontecido com elas depois que elas começaram a
ser assentadas. É claro que eu sabia vagamente o que estava acontecendo.
Eu tinha alguns contatos eventuais com as pessoas da coordenação
do Movimento Sem-Terra. E também o movimento dos sem-terra naqueles 10
anos se transformou num movimento nacional, atingindo uma importância
política muito grande no país.
(...)
Terra para Rose é um filme muito mais épico, cheio de
movimentos, caminhadas, de lutas, mas mesmo assim tentei fazer com que a história
fosse contada através também de sentimentos, de emoções,
chegando com a câmera sempre na intimidade e no coração
dos protagonistas daquela história. No Sonho de Rose, refleti
também sobre fazer um filme sobre o cotidiano de assentamentos, de fazendas.
Na verdade, a vida numa fazenda é uma coisa monótona -- as pessoas
acordam, vão para o campo, tiram leite da vaca, cuidam dos animais, plantam,
colhem. Tentei fazer com que o foco principal no Sonho de Rose fosse
exatamente o sentimento, a emoção dos personagens e a passagem
do tempo... na verdade eu acho que o foco de O Sonho de Rose são
as mudanças. Por isso eu também usei muito o flash-back para mostrar
as mudanças que se operaram não só nas situações,
mas dentro das pessoas, mudanças internas, de sentimentos, de emoções
e de visões de mundo."
1 Terra para Rose recebeu a maior premiação
VIII Festival Internacional del Nuevo Cine Latinoamericano, Havana, Cuba ( dezembro
de 1987), vários prêmios no XX Festival de Cinema de Brasília
(outubro de 1987) e o Prêmio Glauber Rocha na XVII Jornada de Cinema da
Bahia ( setembro de 1988). O Sonho de Rose recebeu a premiação
de melhor documentário no Festival do Rio (2000) e na XXIV Mostra Internacional
de Cinema de São Paulo (2000), dentre outras em festivais nacionais e
internacionais.
Sobre o autor Tetê Morais: Diretora e produtora brasileira. Documentários
pioneiros e inovadores sobre os conflitos da terra e a mulher. Várias
premiações nacionais e internacionais. A mulher na luta pela
terra. Gênese do documentário Terra para Rose: projeto Mulheres
da Terra. Emergência de uma nova história com o acampamento da
Fazenda Annoni, no Rio Grande do Sul. Sonho de Rose, dez anos depois, nos assentamentos,
focaliza mudanças nas situações e nas visões de
mundo.
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