Nós somos os sangues convocados dos rios que nutrem o Continente.
Nós somos o ventre que pare os filhos dos homens e sua ferocidade.
Nós somos moldadas em borro e fulgor: a matéria da vida.
Nós somos quem perdeu os filhos como o grito agudo devorado pela sombra do silêncio.
Nós somos aquelas que vigiam os risos da insônia.
Nós somos as mães de cobre e cinza dos povos indígenas exterminados, sobreviventes.
Nós somos quem palmilha o pó da América buscando fantasmas e só encontramos ossos.
Nós somos quem buscou com tanto amor e tal fúria e dentes cerrados.
E esperança contra toda esperança que às vezes os encontramos um dia, ressuscitados como Abel, no Baixo Araguaia.(1)
Nós somos o grito que golpeia os janelas fechadas dos palácios.
Nós somos a mão que toca o manto da justiça que sempre nos escapa como miragem.
Com que nome batizamos nossa angústia?
Pureza, Isabel, Marta, Maria, Margarida, Roseli, Fátima, Adelaide ...
Quem algum dia inquiriu as nascentes da dor ?
Carregamos pedras como penitentes e aprendemos com os olhos que as nascentes da dor vertem rios de lágrimas:
Claras cordas de cristal e corte.
Não somos apenas mulheres que choram. Somos fecundas.
Somos as mulheres que vão parir a vida, quando a morte vos alcançar.
Nós somos a multiplicação das lutas como a Terra multiplica o cercal plantado.
Somos plantio e colheita.
Somos a raiz da esperança.
1 Baixo Araguaia: Região junto à nascente do Rio
Araguaia, que corta a maior parte das terras indígenas do país e
onde ocorreu a Guerrilha do Araguaia. Em 1969, um grupo de guerrilheiros do PC
do B, de linha maoísta, passou a viver da agricultura e a estabelecer
relações com os camponeses da região, conscientizando-os da
necessidade da luta contra os latifundiários e o governo. Os 70
guerrilheiros, acuados pelas tropas enviadas pelo governo para
combatê-los, resistiram nas matas por mais de dois anos, sendo, todavia,
derrotados, por uma expedição de 6000 soldados em 1975 (Mirossawa,
2001:101). Por ordem do Exército, seus corpos foram incinerados para que
não restassem vestígios da Guerrilha na história. Dois
guerrilheiros conseguiram escapar ao cerco. Todavia, um dirigente que sobreviveu
foi posteriormente assassinado no que ficou conhecido como "A Chacina da Lapa".
O outro sobrevivente é atualmente Deputado Federal pelo PT.
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