Os pobres da terra, durante séculos excluídos, marginalizados
e dominados, têm caminhado em silêncio e depressa no chão dessa
longa noite de humilhação e proclamam, no gesto da luta, da resistência,
da ruptura, da desobediência, sua nova condição, seu caminho
sem volta, sua presença maltrapilha, mas digna, na cena da História.
(José de Souza Martins)
A minha esposa não era capaz de falar com pessoa estranha. Hoje,
sem ter estudo, ela é uma líder, muito desenvolvida com o trabalho
da luta. A luta é uma escola.(Depoimento do assentado Daniel Ferreira
Chagas, Assentamento São Joaquim)[ii]
Introdução
O presente artigo analisa a importância da participação
da mulher na luta pela conquista da terra, destacando a redefinição
de seu espaço e de seu papel na sociedade. Situa ainda a construção
do feminino na recriação social do espaço conquistado -
o assentamento. O ser mulher é compreendido como uma categoria cultural
e histórica perpassada pelas relações sociais, ou seja,
uma construção social, a partir das relações estabelecidas
entre mulheres e homens, dos significados atribuídos ao feminino e ao
masculino na família, no trabalho, nas lutas sociais e na dinâmica
do assentamento. Na construção das lutas sociais, enfatiza, por
um lado, a presença feminina na constituição do Movimento
dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), e, por outro, o papel deste movimento
social como sujeito educativo na formação da identidade da mulher
Sem Terra.
A constituição de um movimento social, como o MST, é compreendida
como resultado da combinação de fatores objetivos e subjetivos.
Os primeiros dizem respeito à história de desigual distribuição
de terras; à modernização da agricultura que concentrou
a terra, expropriou e expulsou agricultores da sua terra, reduziu o trabalho
assalariado com a introdução de máquinas e insumos modernos
agravando as condições de empobrecimento; à construção
de hidrelétricas que expulsou camponeses de suas terras sem a devida
indenização. Os fatores subjetivos incluem a percepção
da exclusão e a compreensão de como ela foi gerada historicamente;
a construção de uma identidade coletiva de mulher Sem Terra gerada
a partir da percepção comum das necessidades e carências;
a consciência coletiva da necessidade de lutar pelos direitos, onde a
terra é vista como um direito para quem nela quer trabalhar e precisa
dela para viver, o que confere legitimidade à ocupação
de terras improdutivas.
A situação de empobrecimento aliada à consciência
da produção da miséria e o reconhecimento coletivo de um
direito são, portanto, fatores fundamentais na organização
de um movimento e da manifestação de sua luta social. Uma luta
que questiona e denuncia a distribuição desigual da terra e a
falta de vontade política do governo em resolver a questão fundiária,
uma luta que força o debate e pressiona pela realização
da reforma agrária. Através da luta, os camponeses sem terra se
colocam no cenário como sujeitos políticos do processo histórico,
como construtores da cidadania no campo, transformando-se enquanto constróem
o movimento de luta social e transformam a própria realidade. Neste sentido,
o processo de luta pela conquista da terra é compreendido como um espaço
fecundo de recriação sócio-cultural onde as práticas
cotidianas vividas pelo campesinato são (re)elaboradas em função
das condições objetivas e subjetivas que as lutas engendram (Caldart,
1996; Gohn, 1997; Damasceno, 1995). Segundo Caldart,
a experiência de participar da organização MST é
educadora dos Sem Terra basicamente pelas relações sociais que
produz, e que acabam interferindo pedagogicamente em diversas dimensões
do ser humano, e, ao mesmo tempo, problematiza e propõe valores, altera
comportamentos, destrói e constrói concepções, costumes,
idéias. É desta maneira que vai conformando a identidade Sem Terra
(2000: 220).
Ingressar na luta pela terra, reivindicando-a enquanto direito, implica uma
reformulação na visão de mundo dos camponeses, bem como
no estabelecimento de novas relações em seu cotidiano (Schwade,
1993:77). Por outro lado, os assentamentos - espaços conquistados e recriados
socialmente pelas trabalhadoras e pelos trabalhadores rurais Sem Terra, a partir
de um processo de luta - propiciam a (re)construção de um espaço
social, das relações que perpassam o cotidiano, a partir dos referenciais
que cada sujeito traz em sua história de vida e dos referenciais coletivos
(re)elaborados na luta pela conquista da terra (Schwendler, 1995).
A participação da mulher no espaço de luta pela conquista
da terra
A vivência da ocupação da terra e da organização
de um acampamento, formado por trabalhadoras e trabalhadores sem terra com distintas
trajetórias de vida e uma história perpassada por diferentes formas
de exclusão social, política, econômica e cultural, cria
para eles uma identidade, articulando-os em torno de um objetivo comum - a conquista
da terra. O acampamento, resultante da ocupação de uma área
por um grande número de famílias sem terra, constitui uma estratégia
de luta do MST para pressionar a desapropriação de terras improdutivas.
Para Caldart, a força educativa da luta "costuma ser proporcional
ao grau de ruptura que estabelece com padrões anteriores de existência
social destes trabalhadores e destas trabalhadoras da terra, exatamente porque
isto exige a elaboração de novas sínteses culturais
(2000: 106).
Na luta pela conquista da terra, a mulher torna-se um agente histórico
fundamental, quer seja pelo enfrentamento da situação dada pela
ocupação, seja pelas relações que reconstrói
com sua presença ativa na luta. A presença feminina como sujeito
histórico torna-se fundamental na luta pela terra e a torna possível.
Os próprios assentados atestam esta importância:
"Só de homens não sai acampamento (Teresinha, Assentamento
Nova Ramada)[iii].
"E se não fossem as mulheres junto na luta, elas organizadas, junto
com o homem, eu acho que não existia o assentamento. É muito importante
a mulher na luta. Ela é organizada e ajuda a organizar e acompanha a
luta (Valmir, Assentamento Nova Ramada).
A mulher, mesmo grávida ou com filhos pequenos, ocupa a terra, enfrenta
a polícia, participa da discussão, organização e
também da manutenção do acampamento, estando nele ou fora
dele, visando garantir a sobrevivência. Segundo Lechat, essas mulheres
"entraram na política não como seres assexuados, mas enquanto
mulheres, mães de família participando de tudo, mesmo estando
grávidas e levando consigo os bebês de colo" (1996:123). A
mulher, portanto, participa do acampamento reelaborando seu papel na sociedade.
Os espaços reservados e os papéis atribuídos ao masculino
e ao feminino se redefinem durante o processo de ocupação da terra
e de formação do acampamento, pela própria organicidade
produzida pela formação de comissões, onde as tarefas são
divididas e assumidas por mulheres e homens.
O MST se organiza em comissões para viabilizar a organicidade da própria
luta social. Assim se expressa Caldart a esse respeito:
A organização interna de um acampamento começa com a
formação dos chamados núcleos de base, constituídos
entre dez e trinta famílias e segundo o critério inicial de proximidade,
geralmente a partir do município de procedência dos acampados.
Através dos núcleos é organizada a divisão das tarefas
necessárias para garantir a vida diária do acampamento: alimentação,
higiene, saúde, religião, educação, animação,
finanças... A través dos núcleos acontecem as discussões
e estudos necessários para tomar as decisões sobre os próximos
passos da luta. Os responsáveis pelas diversas tarefas compõem
as equipes de trabalho, reunindo regularmente para planejar e avaliar suas atividades.
Há uma coordenação geral do acampamento cuja responsabilidade
principal é dar unidade à atuação de todas as equipes,
bem como encaminhar o processo de negociação e de relacionamento
com o conjunto da sociedade local e mais ampla. O fórum máximo
de tomada das decisões sobe os rumos do acampamento é a assembléia
geral das famílias acampadas, geralmente reunida após uma discussão
preliminar das questões nos núcleos de base, canal principal de
comunicação entre a coordenação e os acampados
(2000:115).
No acampamento, a mulher começa a assumir tarefas não só
no espaço privado - lavar, cozinhar, cuidar dos filhos - mas também
na vida pública - discutir, organizar, coordenar tarefas e grupos, negociar,
cuidar da segurança, enfrentar a polícia. Nessa vivência
da luta pela terra, ela amplia seu espaço de participação
na sociedade, ocupando espaços reservados historicamente ao homem - a
vida pública - onde ela aprende a discutir, participar, expressar suas
idéias, tornando-se sujeito de muitas conquistas sociais como o salário-maternidade
e a aposentadoria, dentre outras. A luta proporciona também a conquista
da posse da terra, o que antes era restrito aos homens, por não ser a
mulher reconhecida como trabalhadora rural (Schwendler, 1995).
Dessa forma, a mulher aprende, a partir da vivência em outros espaços,
a pensar e viver questões para além do cotidiano e do doméstico,
ressignificando seu estar no mundo, sua presença como mulher na história,
reaprendendo-se enquanto mulher Sem Terra. A mulher que busca lutar pelo direito
à terra, à moradia, à participação, ao seu
reconhecimento como trabalhadora da terra e da dignidade de seu gênero,
reelabora também o papel de mulheres e homens na sociedade.
A mulher entra na vida pública, mas não abandona, mesmo na luta,
o espaço privado, pois ela ainda continua sendo a responsável
pela vida do lar, o que leva à manutenção e reprodução
das relações familiares já estabelecidas. Apesar de serem
mantidas muitas das antigas relações entre homens e mulheres,
trazidas da experiência anterior à luta, a vivência de novas
relações no espaço da luta deixa suas marcas, ficam na
memória enquanto significações e podem ser mantidas
ou recobradas em situações concomitantes ou posteriores
(Melo, 2001:175).
A participação da mulher na dinâmica do assentamento
de Reforma Agrária
A divisão tradicional de papéis distintos para mulheres e homens
se sustenta numa rígida divisão sexual do trabalho que tem, historicamente,
relegado à mulher um papel secundário no trabalho, na vida política,
nas lutas sociais, responsabilizando-a pelo trabalho não-visível.
O próprio contrato matrimonial tem legitimado o papel da mulher de exercer
o trabalho invisível, levando-a a aceitar a obrigação da
casa/família em troca de ser mantida pelo marido. Relevantes para nossa
discussão são as diferentes preocupações que os
pais têm tido historicamente em relação ao filho e à
filha, buscando dar ao homem a terra e à mulher o enxoval para a casa.
Assim, a menina aprende com a mãe as lidas de casa e os cuidados para
com os filhos, não aprendendo a discutir política, negociar, comercializar,
discutir a produção, o que é ofício do menino, o
qual também não aprende com a mãe as lides da casa e o
cuidado com as crianças. Cabe à mulher dar à luz, cuidar
dos filhos, manter a família, os trabalhos domésticos e a reprodução
da força de trabalho, sendo-lhe destinado o papel de auxiliar no trabalho,
como extensão do lar. Analogamente, a mulher camponesa "ajuda"
na roça. Na maioria das vezes, não lhe cabe decidir a produção,
negociar, comercializar os produtos, discutir os créditos agrícolas
- estas são colocadas como tarefas masculinas. No entanto, a presença
ativa da mulher nas lutas sociais contribuiu para o questionamento e/ou a ruptura
com algumas práticas cotidianas que relegam a ela um papel secundário
na sociedade. Contribuiu, ainda, para que a mulher se organizasse para lutar
por direitos que lhe foram negados historicamente.
Cumpre agora examinar o papel da mulher nos assentamentos, ou seja, após
o período de luta pela conquista da terra e de resistência nos
acampamentos. Os Assentamentos de Reforma Agrária em si estabelecem um
processo histórico de transição e transformação
da velha estrutura agrária brasileira, de reorganização
do território, pois se trata do processo de conversão do latifúndio
num espaço onde muitas famílias Sem Terra começam a viver
e produzir. Eles se constituem em territórios conquistados através
de uma trajetória de luta e resistência, da ocupação
de terras improdutivas, de rodovias, praças e prédios públicos,
enfim, de todo um processo organizativo do MST. Para Fernandes, o assentamento
significa também "a busca do recomeço como novos sujeitos
é a possibilidade da recriação das dimensões
do espaço social e do próprio movimento
é resultado
de um projeto de transformação para a conquista da condição
de cidadãos (Fernandes, 1996: 236). Reproduzo a fala de uma trabalhadora
assentada quanto a esse processo de transformação em termos de
gênero:
Quando nós começamos a fazer o nosso regimento interno da nossa
cooperativa, os homens achavam que as mulheres não deviam ter direitos,
nem obrigações. (...) quando começamos a cooperativa, quando
começamos a nossa organização foi muito difícil
conscientizar as mulheres para sair de casa, para participar (Teresinha, Assentamento
Nova Ramada).
Um dado importante é que as mulheres engrossam as fileiras das lutas,
mas quando a luta entra na fase de negociação, elas voltam geralmente
aos padrões anteriores. Na nova organização do assentamento,
também entram em jogo a trajetória de vida das trabalhadoras e
trabalhadores assentados antes da organização - seus costumes,
suas tradições, suas experiências - bem como o vivido no
processo da luta, onde o engajamento político-social dos atores envolvidos
se dá de forma diferenciada. Uma explicação se respalda
em Paulilo, para quem "o repertório de comportamentos possíveis
é formado tanto pelas idéias novas como pela experiência
antiga" (1994:197-80). Com o processo de luta que vivenciaram, estes dois
atores sociais modificam a sua trajetória e a si próprios. Contudo,
esta mudança não implica na negação de seu passado,
de sua história, mas sua superação (Schwendler, 1995).
No texto A revolução dentro da revolução,
James Petras analisa o recolhimento das mulheres no período pós-revolucionário,
após uma intensa participação no processo das lutas sociais.
Para o autor, cada etapa da luta se constitui numa escola para a etapa seguinte.
Neste sentido, se a mulher ocupar um lugar secundário na estrutura da
organização durante o processo de organização das
famílias para uma ocupação de terras, ela também
desempenhará papéis secundários na fase do acampamento
e não haverá mulheres para formar a coordenação
no assentamento. Logo, adverte Petras que
Se a mulher não estiver presente no comitê de negociações,
suas necessidades não terão voz. Voltarão às casas,
às tradições anteriores de opressão. Os homens dizem
ganhamos a luta mas ele está no comitê e ela na cozinha!
Por isso, no momento de negociação é importante sua presença,
pois vai transmitir o conteúdo de suas reivindicações para
a transformação pós-revolucionária ou pós-ocupação
de terras (1998:14).
Ao discutir os espaços masculinos e femininos na construção
desse novo modo de vida - os assentamentos - Ferrante traz à tona a tímida
participação das mulheres nos espaços de discussão,
de deliberação, de decisões políticas, pois em reuniões
e assembléias as mulheres se colocam próximo às portas,
como se de fato estivessem prestes a sair de um espaço que não
é o seu (1998: 267). Na mesma linha, a partir do próprio
relato dos assentados, constata-se que, quando a mulher participa de espaços
onde exerce a liderança no assentamento, estes, geralmente, estão
ligados à educação e à saúde, vistos historicamente
como espaços femininos. Mesmo nestes espaços, a mulher assentada
ainda encontra dificuldades em participar, principalmente quando ela precisa
se ausentar de sua casa para viajar, participar de cursos de formação,
de atividades organizativas, e até mesmo da educação de
jovens e adultos no próprio assentamento, pois, muitas vezes, ela acaba
sendo ou mal-falada ou vista como alguém que não cumpre com suas
obrigações. Muitas mulheres não participam da alfabetização
de jovens e adultos porque precisam fazer o jantar para o marido ou até
porque o marido não a deixa participar.
No desenvolvimento de um projeto de extensão em assentamentos no período
de 1997 a 2001, intitulado Exercitando a cidadania no campo: um olhar e um compromisso
multidisciplinar em área de ocupação do Movimento dos Trabalhadores
Rurais Sem Terra, durante os encontros com a comunidade, o almoço coletivo
ficava ainda sob a responsabilidade das mulheres, inviabilizando a sua participação
nas discussões, nas decisões e no planejamento da comunidade.
Algumas vezes os homens contribuíam na lavagem das louças ou cada
membro lavava o próprio prato, uma prática comum nos encontros
de formação do MST, nas marchas, nas ocupações de
terras. Numa das ações planejadas e realizadas junto com as trabalhadoras
e os trabalhadores assentados desta comunidade, foi organizada uma horta comunitária.
A plantação desta horta foi sufocada pelo próprio capim,
sendo reativada somente quando o grupo das mulheres assumiu para si esta tarefa.
O cultivo da horta é visto como papel feminino, por se tratar de produção
para a subsistência. Neste contexto, o trabalho da mulher camponesa não
é considerado como trabalho e o seu produto, que contribui para a subsistência,
não é contabilizado como produção. Segundo Nobre
e Silva, o cultivo da horta, a criação de animais, o trabalho
na roça e a produção do artesanato - trabalhos que produzem
mercadorias cuja venda contribui para o sustento da família - estão
embutidos no que é chamado cuidar da casa (1998:29).
Para Ferrante, mesmo nos assentamentos, a participação
das mulheres nas diferentes estratégias de formação de
renda convive com a reprodução de desigualdades e exclusões
no âmbito das decisões (1998:274). A autora afirma, no entanto,
que as atribuições masculinas e femininas não têm
fronteiras rígidas em todos os momentos da vida dos assentamentos, tendo
em vista que ocorre uma relativa colaboração entre homens e mulheres
na definição do futuro do lote. O próprio fato de as agências
externas exigirem, atualmente, a assinatura do casal para a liberação
de recursos para viabilizar a produção e organização
do assentamento tem contribuído para este planejamento conjunto. Contudo,
o cumprimento desta exigência não significa que a mulher tenha
efetivamente poder de decisão, pois a última palavra é
geralmente do homem, como elas mesmas denunciam.
Conclusão
O aprendizado coletivo da luta pela terra já tem contribuído
significativamente para a reconstrução dos papéis de gênero,
pois mulheres e homens participam conjuntamente de um processo que trouxe significativas
mudanças sociais, econômicas, políticas e culturais que
se refletem na recriação do novo espaço - a terra conquistada.
No entanto, fora do momento de luta a mulher ainda continua sendo excluída
das instâncias decisórias, principalmente em espaços vistos
como masculinos, como a produção e a organização
do assentamento.
Ainda há muito que construir, há muito que conquistar na luta
pela humanização de mulheres e homens. Assim se expressa Freire
sobre este processo:
A humanização e a desumanização, dentro da história,
num contexto real, concreto, objetivo, são possibilidades dos homens
como seres inconclusos e conscientes de sua inconclusão. Mas se ambas
são possibilidades, só a primeira nos parece ser o que chamamos
de vocação dos homens. (...) A desumanização, que
não se verifica apenas nos que têm sua humanidade roubada, mas
também, ainda que de forma diferente, nos que a roubam, é distorção
da vocação do SER MAIS (1987: 30).
A luta passa pela conquista da terra, da moradia, da educação,
da saúde, mas passa, também, pela reconstrução das
relações de gênero na família, na escola, no trabalho,
nas lutas sociais e no próprio assentamento. Para a mulher Sem Terra,
portanto, coloca-se um grande desafio: assumir sua tarefa histórica como
sujeito social que entra em cena ocupando, também, o espaço público,
participando das instâncias decisórias para construir assim, com
suas diferenças enquanto mulher, uma história diferente
As mulheres são diferentes Elas se afirmam por outras palavras,
outros gestos (Perrot, 1988: 212). A mulher tem uma maneira própria
de ser, de se representar no mundo. E é este diferente que precisa ser
buscado para construirmos uma outra história, uma outra sociedade. Entre
o público e o privado, o político e o pessoal, os homens e as
mulheres, as divisões apagam-se e recompõem uma paisagem
(Perrot 1998:2). Esta paisagem é uma construção em movimento,
onde mulheres e homens redefinem papéis, reconstroem suas histórias,
recriam a cultura, para a qual o aprendizado coletivo da luta pela terra muito
já tem contribuído.
Referências Bibliográficas
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Dissertação de Mestrado. Florianópolis-SC, 1993 (mimeo.).
SCHWENDLER, Sônia Fátima. Da utopia do acampamento à recriação
social do assentamento. Dissertação de Mestrado. Santa Maria-RS,
1995 (mimeo).
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[i] Pedagoga e professora do Departamento de Planejamento e Administração
Escolar da Universidade Federal do Paraná. Mestre em Extensão
Rural. Desenvolve atividades de pesquisa e extensão junto ao MST. Atua
na coordenação e na assessoria do Projeto de Educação
de Jovens e Adultos nos Assentamentos de Reforma Agrária na região
Sul do Paraná, vinculado ao PRONERA (Programa Nacional de Educação
na Reforma Agrária). Tem contribuído para a discussão de
gênero no processo de formação dos educadores e das educadoras
da alfabetização de jovens e adultos nos assentamentos de reforma
agrária.
[ii] O Assentamento São Joaquim, situado no Município de Teixeira
Soares, no Estado do Paraná, foi criado em agosto de 1998, após
onze anos de ocupação. Nele foram assentadas as 96 famílias
que ocupavam a área, provenientes da região Sul e Oeste do Estado
do Paraná.
[iii] O Assentamento Nova Ramada, situado em Júlio de Castilhos, no
Estado do Rio Grande do Sul, foi criado em março de 1989. Nele foram
assentadas 100 famílias acampadas, em sua maioria, durante quatro anos
na fazenda Annoni, localizada no município de Ronda Alta, Rio Grande
do Sul. As 100 famílias eram provenientes da região Noroeste do
Rio Grande do Sul.
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