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As Imagens e as Vozes da Despossessão: A Luta pela Terra e a Cultura Emergente do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra)

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Português (change language to English)

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Cultura emergente por categorias -> Assentamentos: Projetos ecológicos 11 recursos (Categorias culturais produzidas por & © Else R P Vieira)

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Poemas
Cultura: O resgate das tradições e da cultura do campo

Autor:

Aracy Cachoeira

Título:

Marcas da erosão

Numa tarde, sentado num cepo debaixo da goiabeira, meu "zóio arregalô" quando mirei o morro em frente a minha velha casa de enchimento. (1)

A terra nua da chapada, parecia ferida exposta sangrando silenciosa, "a dor da marca da erosão".

Três dias se passaram!
A tarde agora era de temporal, de chuva grossa que chega de repente arrebentando tudo, jogando folhas para todo lado.
Eu, na janela da varanda, de novo me assustei olhando a chapada.
É que a enxurrada de terra vermelha que descia lá do morro, parecia um rio de sangue que descambava ladeira abaixo, levando nas suas águas, galhos, insetos, raízes, e junto com a lama e o mato, "a dor da marca da erosão".

No terceiro dia a chuva se amainou e arredei de casa para ir ver a lavoura no boqueirão.(2)
Me instatalei diante do que era minha roça! Agora quem sangrava era meu coração, partido pela dor da perda.
Não se via um pé de feijão, as hortas ou nem sabia o lugar, mandioca com as raízes para cima, abobreira e maxixeiro não sei onde foi parar.~
Só via terra vermelha cobrindo as plantações.

Olhei lá pro morro, pro descampado da chapada. A cratera na ladeira, agora mais limpa, mais profunda, parecia garganta escancarada, boca aberta dando gargalhada, rindo do homem que inconseqüentemente semeia sua desgraça.
Se no morro tivesse árvore, se lá tivesse uma proteção, minha roça tinha se salvado, porque o mato segura o aguaceiro da chuva que se espalha umedecendo a terra por igual.
Mas quando o homem já acabou com o mato, a água passa direto pelas valetas e desce arregaçando, levando a cito tudo que topa pela frente, levando inclusive o adubo natural do solo deixando a terra cada vez mais seca.

Olhei de novo pro morro, me pareceu que ele parou de rir.
Eu também fiquei séria. Nos dias ali frente a frente, o morro desmatado e indefeso, e eu, pagando pelo alto preço da destruição da natureza, sentindo no peito dilacerado, "a dor da marca da erosão".

1 Casa de enchimento ou de barro batido: tipo de construção comum no norte de Minas Gerais; é feito um travamento de varas, como uma peneira, no qual o barro é batido.

2 Boqueirão: local preferido para plantio, geralmente uma encosta de montanha onde os morros formam uma meia lua.

Poemas : Editado por Else R P Vieira. Tradução © Bernard McGuirk.

Data:

novembro de 2002

Recurso ID:

SINGSOFE388

Antologia de poemas
Uma seleção de primeira mão, inédita dentro e fora do Brasil. Uma poética militante; a importância social e política do cantador, a construção de um cânone da despossessão; a mulher sem-terra; o tema da morte como horizonte de vida; o projeto pedagógico.
Else R P Vieira

		À Universidade da página bem-vinda de Nottingham

Vozes Sem Terra, site hospedado pela
School of Languages, Linguistics and Film
Queen Mary University Of London, Grã-Bretanha

Coordenadora do Projeto e Organizadora do Arquivo: Else R P Vieira
Produtor do Web site: John Walsh
Arquivo criado em janeiro de 2003
Última atualização: 07 / 05 / 2016

www.landless-voices.org